27 de dezembro de 2007

Salvo-conduto a Nelson Rodrigues

Dagoberto soergueu-se de um pulo só tentando levantar logo as calças e encobrir o falo ainda em riste, a moça totalmente descomposta na areia enquanto o PM mantinha a calcinha dela arriada, a prova cabal do crime in loco, e o outro agente com a arma em suas costas – Teje preso seu moço. Vá se vestindo. E que a moça fique como está! Bulhufas... Lucilene meteu os pés no intruso que lhe segurava a peça íntima e se levantou ainda que o tal tocasse às mãos, de propósito, em suas coxas. – Tira as patas daí, seu bestalhão! - disse, enfurecida. O namorado logo se impôs também e retirou do bolso uma carteirinha fulera, com a insígnia da Polícia Militar. E dizia-se sobrinho do General. O agente podia ter dito. – Inventa outra, malandro. Fosse você sobrinho de General, estariam num hotel cinco estrelas; não aqui!
Eram os anos da ditadura e da boa-vida do absolutismo. Mas em vez disso, o agente retrocedeu, enquanto o subalterno tratava de limpar a mão, já que Dagoberto acabara de ejacular lá nos recôncavos da moça, o sêmen da ledice – Meleca! – disse o PM em pensamento, já indo embora, sem os ambicionados trocados no bolso; era costume dos “homens da insígnia” pegar os amantes por ali, modo subtrair-lhes algum “trocado” em paga de não irem presos. Tudo bem, mais tarde os gêmeos-da-farda ainda flagrariam algum outro sarro pelas praias do Flamengo. Era praxe após intensa refrega no Cinema de frente pro aterro, completar-se o serviço ao som do ruído das marés que vinham da baía da Guanabara. E aí é que surgiam, sabe-se lá de onde, o Cosme-e-Damião no lusco-fusco das luzes que alumiavam de longe a beira-mar. Comumente via-se gente correndo ali, de calças na mão. No outro dia, lia-se na coluna do Nelson Rodrigues – Casal apanhado fazendo coisa-feia na praia do Flamengo. Mas quem não fazia?
A praia era o ponto de encontro dos namorados, estudantes, cujos trocados mal davam pra comer no Calabouço, dirá pra comer no Motel? Nelson Rodrigues sabia muito bem tirar proveito das coisas malfeitas, dos costumeiros arrochos (em pé) em plena lotação e dos eflúvios domingueiros, dia de Maracanã. Gostava de zoar com a casta Sociedade Carioca e espinafrar os desmandos do entretenimento futebolístico, escrevendo com a propriedade que lhe era nata; não se podia deixar de ler, nunca, sua coluna do Jornal do Esporte. Satírico dos maiores, vez em sempre se encrencava. Seu personagem, Gravatinha, era um cartola exigente, que tinha lá as suas manias – alegrar-se e sofrer por conseqüência do Fluminense Futebol Clube.
Imagino hoje Nelson Rodrigues caçando matéria de Jornal, pelas entranhas do Rio de Janeiro. Notícias que lhe rendesse um bom tema. Render-se-ia logo ao primeiro saite onde os netos de Dagoberto e Lucilene tinham-se nus na posição côncavo-convexo, em luxuriosa animação. E seu bisneto se deliciando em frente à tela. Pois é, seu digníssimo escritor pornô, os tempos mudaram: namorados fazendo coisa-feia na praia, deixou de ser ibope; o povo deliberou-se e liberou-se, de vez. Você apenas antecipou-se ao tempo. Dagoberto e Lucilene também. De tal feito que Gravatinha, seu impoluto personagem, ficaria de cabelos-em-pé; tanto pelos altos e baixos do seu clube das Laranjeiras quanto pelos “fiqueis” de agora; afora às “Paradas Gays”, que também aqui em baixo chamam de Diversidade. Contente-se, seu menestrel da vida mundana. Sua alma está salva! Quanto à nossa, não sei...

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