27 de janeiro de 2009

Essa tal de Ressonância

Essa tal de Ressonância

Ele ouviu-me as queixas e solicitou uma Ressonância Magnética; da cabeça, Sabe-se lá quanta merda tem aí dentro, bem podia ter pensado, no que obediente fui fazer, O senhor tire sua roupa e coloque esta camisola, Deite-se ai, fique tranqüilo, E logo me foram imobilizando, enfiaram-me primeiro dois tufos de algodão nos ouvidos, depois me cobriram as orelhas, diga-se, com certo carinho, balbuciavam-me beneficies, mas depois arriaram uma armação sobre minha cabeça que me pareceu de aço, o que me fez lembrar naquela hora o Homem da Máscara de Ferro, eu ali engaiolada a cara e o corpo estreitado numa padiola, Tome esta campainha, qualquer coisa você aperta, E feche os olhos, no que eu momentos antes lia Jose Saramago, lembrei o Ensaio da Cegueira, que cego mesmo devia estar o escritor, trocando vírgula por ponto e vice-versa, ou tivesse ele um teclado caduco, já trocando as bolas, ou mesmo a Editora nem tivesse corrigido o livro, já que se tratava de Saramago, venderia do mesmo jeito, como vendeu, e eu cá desaprendi ali um pouco do que eu sabia de pontuação, então, se é pra fechar os olhos, vamos nós. Fechei. Quantos minutos, Uns quinze, disse a técnica, Quinze minutos enfiado aqui nesse escurinho, até dá pra tirar uma soneca, só pensei, pois que segundos depois, alguma coisa começou a acontecer lá fora, eu que parecendo ter entrado num oco de pau, como fazem os guaxinins na hora de dormir, mas de repente o pau era eu mesmo sendo lavrado, furado, com todas aquelas ferramentas que batiam lá fora, como se tivesse lá uma montoeira de carpinteiros, carapinas, o que fosse, a me aplainar, lavrar, desbastar, começou assim como as picadas de um pica-pau e de repente eram dois pictarodáctilos, um bicava e o outro respondia no ato, tão ensurdeceras eram as batidas, outras vezes talhavam, outras vezes davam mesmo era de cavadeira, picareta, num momento era uma furadeira, só que a técnica decerto não soubera ajustar a broca e a broca roia doidamente, aqui, acolá, Se atente seu moço, dizia eu pra mim mesmo, vai que essa broca treteia e atravesse esse latão e pare nos meus bofes, ou nos meus miolos que já não andam bem, e eu bobo ali, de olho fechado a mercê das meninas. Saramago tinha razão, nada mais educativo que se ficar cego alguns minutos para estarmos por conta da sorte e pensar no quanto isto é ruim, eu soletrava cá com os meus pensamentos, Logo, logo eu vou escrever sobre isso, e ria comigo mesmo, eu me imaginando um cerne de madeira, as meninas dando marteladas na minha bigorna, o meu estribo estridulando. Mas eu não tenho juízo mesmo, não dormi, nem nada, apanhei a torto e a direito na cabeça, embora nada doesse. Agora vamos tirar o senhor daí, Pode abrir os olhos, Está se sentindo bem? Do lado direito um sorriso bonito, alvissareiro, do lado esquerdo a bondade, Desça devagar, Desço, mas vocês vão me pagar, ah se vão!...Então-se, por isso, até posso dizer que a despontuação foi por conta da meritória coça na cabeça que levei. E voltar depois do exame ao doutor que dirá: Moço, você não tem nada na cabeça! Oh, tenho sim, só que o senhor, Doutor, educado, não quer dizer...

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