26 de dezembro de 2007

Minha amiga, a lagartixa.


Em todos os momentos que me ponho a escrever à noite, lá na sala adequada aos meus delírios filosóficos, poéticos, ambiciosos, não há uma só vez que eu não tenha como companhia uma jocosa lagartixa. Basta que eu acenda a luz do recinto e o calor desta atraia os insetos que se batem no vidro transparente da janela por fora, que logo ela vem banquetear-se! Através do vidro vejo o deslizar-se de sua barriga esbranquiçada, arrastando-se em patas agarradiças na busca dos incautos insetos – ávidos, pelo calor da luz; assim imagino! De tal forma que me distraio da escrita e fico atento à sua sabedoria – uma paralisante quietude na tocaia da presa; não precisa ir-se longe: os insetos vêem ao seu alcance, como que magnetizados por sua gosmenta língua. A lagartixa come um, come dois, três..., come até saciar-se. Depois se recolhe como num descaso ao meu insistente olhar; não se sabe aonde, apenas se vai, esconde, desaparece...
É quando então, me sinto só! Mas, entendo que precisa ir-se... Nem haveria razão de permanecer, a não ser pela minha distração e indubitável devaneio de pensamento. Ela é singela, magricela, apesar de comilona! E não me parece educada, uma vez que lhe dou a luz que atrai o seu banquete e ela nem sequer me agradece; ou agradece, quando balança sistematicamente a cabeça... Não tenho cá, tanta certeza disso! Também não importa; importa-me que ela exista. Dias atrás, ainda me fez rir: caindo da desembestada carreira na pega de um mosquito – Tibum..., lá no chão! Não demorou e já voltou altaneira, imperturbável, a procura de um novo sustento. Por certo, a queda faz parte da sua rotina – na busca da sobrevivência! De toda maneira, sou eu quem deve agradecê-la, viu sua lagartixa! A sua fome voraz poupa-me o incômodo dos mosquitos, durante o meu descanso.
Não bastasse a ajuda, sou-lhe grato pela existência. Além de se fazer colírio para os meus olhos, tenho a satisfação da sua companhia. É isso; devemos muito de nossa grandeza às pequenas criaturas; tê-las juntas de nós e compreendê-las nos faz sentir vivos, pois quê, elas são a extensão da nossa existência. Falo por mim, lagartixa; por menor que sejas, a mim sempre parecerá grande. E por mais que me tenha por grande, não lhe alcançarei na sabedoria; ainda assim, sigo sobrevivendo: enquanto escrevo, resisto à piração, aos logros da vida, na saudade do que já fui, na satisfação do que sou e na esperança de que a vida não me envelheça, embirrento.
Lagartixa desculpe-me, por essa conversa a toa! É que necessito dialogar com alguém, mesmo sabendo que as respostas às perguntas que me faço, nem você mesmo tem. De qualquer maneira, sigo tentando aprender a sua lição: agarrando-me às paredes da vida; que me são lisas, muito lisas; razão, por que, também caio delas – Tibum!... Lá no chão!
Permanecendo, cá, a dúvida: lagartixa ou camaleão? Não responda, no ato, você pode se enganar...

Um comentário:

Unknown disse...

Adorei o texto... nos faz refletir...

Kele