25 de dezembro de 2007

Bis...Bis...

Ligaram o velho calhambeque e foram às compras na cidade. Zé Pedro pretendia, mas Belarmindo foi contra levar as mulheres. Para efeito de anteciparem a volta antes da chuva da tarde. Mulher, dizia Belarmindo, tem mania de olhar vitrine, podia-lhes atrasar o desprendimento. E lá se foram; precisando empurrar o calhambeque morro acima, o veículo às voltas com problemas mecânicos. Previsto voltarem cedo, acabaram chegando à cidade já no adiantar da hora do almoço, razão pela qual resolveram almoçar pó lá mesmo. Com as pensões já fechadas, obrigaram-se a entrar num restaurante de requinte; aventura por aventura, àquela era mais uma.

Desconfiados, sentaram-se à mesa, cuidando de não se parecerem assim tão matutos, de olho no ambiente, mais propriamente, no que as pessoas tinham nos pratos, exato momento que ouviram a palavra Bis – era o freguês da mesa ao lado, pedindo ao garçom que repetisse a receita. Zé Pedro e Belarmindo arredaram de lado o cardápio e se fiaram na pedida dos vizinhos. – Bis também. Não sabiam mesmo o que significava todos àqueles nomes esquisitos do cardápio... Enquanto a comida não vinha tomaram duas cervejas modo aplacar o pó da garganta. Não muito tempo depois, veio a feijoada. Uma daria, não fosse o entendimento do garçom: que trouxe logo duas; justificando assim o pedido. Iguaria em abundância, mas já que a comida estava ali, não fariam desfeitas; matuto sim, mas educados... E sem mais delongas, peitaram a empreitada. Os vizinhos do lado, pagando pra ver.

Raspadas as tigelas e pratos, os dois saíram às compras. As encomendas já no calhambeque, nuvens carregadas no céu, resolveram dar uma volta pela cidade, na intenção de deixarem a passar a primeira chuva da tarde. Na porta do cinema, um aglomerado de pessoas, e o cartaz anunciava: Show da dupla caipira: Tonico e Tinoco! Pois que seja! Já que não podiam seguir viagem, optaram por assistir o espetáculo; enquanto a chuva dava uma trégua. Ainda que empanturrados e flatulentos, do pé de porco, do paio, da pimenta, da lingüiça, da cerveja, adquiriram às entradas e se acomodaram bem no centro do anfiteatro, para melhor aproveito. A barriga lá, num estofamento dos infernos. Educados, evitaram peidar ali; tampouco arrotavam. Na primeira música: Tristeza do Jeca, o povo gritava: - Bis!... Bis!... Eles, querendo esquecer a iguaria! O peido ali, louco pra se expressar; mas temiam pelo resultado. Borrassem nas calças, e seriam espancados até a morte, por aquela gentalha desvairada. Na segunda música, quando o povo mais uma vez pediu - Bis!...Bis!..., já não agüentavam mais. Antes do terceiro Bis, Bis saíram de fininho, deixando um ardido lá no nariz dos desgraçados.

Era noite alta, quando chegaram ao sítio. Cada um pra sua casa, se arriscando ainda apanharem das mulheres. Belarmindo, inda que remoesse a indigestão, deitou-se e dormiu. A mulher falando nos seus ouvidos. Entre roncos e pesadelos, sonhou... Sonhou que havia morrido – de indigestão, naturalmente –, e estava na porta do céu. Tentava entrar. São Pedro conferiu a lista e não encontrando seu nome, recomendou que voltasse; estava enganado: não tinha morrido! Belarmindo retrucou. - Não volto. Estou morto. Além do quê, não tinha como voltar! São Pedro, relutante. -Vivo, no céu, ninguém entra. Depois de muita insistência do porteiro, Berlamindo resolveu voltar. Bastava – como lhe dissera o porteiro -, transformar-se numa aranha! Aranha, pelo sabido, poderia tecer um fio, pela bunda, e descer lá de cima - como as aranhas fazem, normalmente. E feito aranha, Belarmindo despediu-se de São Pedro, mergulhando em direção à terra. Que se explique: seguro pelo fio da teia que ia soltando. Numa certa altura o fio acabou e Belarminhdo gritou – E agora, São Pedro? No que São Pedro, respondia – Faz mais força Belarmindo. Força... Belarmindo atendeu e desceu mais um trecho, sentindo que o fio ainda era curto. Voltou a gritar - E agora, São Pedro? São Pedro, respondeu: - Faz mais força Belarmindo. Bis!...Bis!... Assim, tomado de toda energia que a feijoada lhe conferia, Belarmindo chegou à terra – no sonho, naturalmente – quando foi acordado pela mulher que o espancava: - Porco, imundo... Cagou na cama e na minha camisola, seu desgraçado!

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