26 de fevereiro de 2008

A moça

Tinha ela os lábios carnudos, vermelhos do batom, e os olhos negros, grandes, sombreados pelo rímel. A pele macia de pêssego - ele assim imaginava. Os cabelos lisos e curtos, arrematados pouco acima dos ombros, os reflexos reluzindo ao sol. O sorriso retratando bem as alvíssaras que lhe vinha de dentro; um encanto de mulher. Os brincos cintilantes. Vestia-se maliciosamente; a saia curta verde musgo externando o teor lúbrico de suas coxas morenas. Caminhava decidida, rebolando a escadeira; como se o corpo não pudesse mesmo esconder-lhe o espírito venturoso; nem que se esforçasse pra isso – exultava-se como o raiar das manhãs. Os seios artesanalmente esculpidos, sobrando no vê da blusa, os mamilos ponteados, nus, debaixo do tecido de cetim, supondo lá infindas sensualidades; por pouco ele não os via: a cor rósea, a lascívia, a abastança. Ela tampouco fazia questão de escondê-los; completavam a sua suntuosidade. Calçava sempre sandálias de salto alto. Um cordão retorcido amarelo cingia-lhe a cintura fina, o laço descaído de lado; fácil, fácil de desatar. Nem seria necessário; bastava levantar-lhe a saia - fosse ele o afortunado. Não era. A moça passava por ele, insinuante, deixando um rastro de perfume pela calçada da Felipe Schimit, o andar macio, como quem pisa em tapete mágico; a magia feminina. Via-lhe a alvura dos dentes, risonhos pro seu lado; podia retribuir, mas temia pelo resultado – não tinha dentes tão bonitos; ou melhor, não os tinha. Apenas acompanhava-a de olhos – era o que podia fazer; se muito! No fim da rua a moça desaparecia na portaria de um prédio de luxo: era secretária executiva. Ainda podia sentir o perfume dela, sendo levado suavemente pela brisa do mar. Ouvia o tock, tock de suas sandálias aos poucos sumindo no calçadão. Balbuciava-lhe palavras íntimas, do silêncio dos seus lábios. Tocava aqueles seios, beijava-os, em pensamento. Fazia-lhe juras de amor. Antes, apoiava-se no próprio cabo da vassoura, para a emoção não o levar ao chão. Mas logo acordava dos seus sonhos: era somente um varredor de rua. Amanhã, bem cedo, ela retornaria e sorriria novamente pra ele os lábios de batom, e passaria sestrosa, deixando atrás de si um rastro de cobiça, onde ele se embebedava; todos os dias da semana. E ele rezava que o fim de semana fosse breve; muito breve - dava-se ao descuido de sentir saudades dela; isto, ao menos, ele podia.

Um comentário:

Giovana Fagundes disse...

Todos os textos são muito bons! Adorei!