Tinha ela os lábios carnudos, vermelhos do batom, e os olhos negros, grandes, sombreados pelo rímel. A pele macia de pêssego - ele assim imaginava. Os cabelos lisos e curtos, arrematados pouco acima dos ombros, os reflexos reluzindo ao sol. O sorriso retratando bem as alvíssaras que lhe vinha de dentro; um encanto de mulher. Os brincos cintilantes. Vestia-se maliciosamente; a saia curta verde musgo externando o teor lúbrico de suas coxas morenas. Caminhava decidida, rebolando a escadeira; como se o corpo não pudesse mesmo esconder-lhe o espírito venturoso; nem que se esforçasse pra isso – exultava-se como o raiar das manhãs. Os seios artesanalmente esculpidos, sobrando no vê da blusa, os mamilos ponteados, nus, debaixo do tecido de cetim, supondo lá infindas sensualidades; por pouco ele não os via: a cor rósea, a lascívia, a abastança. Ela tampouco fazia questão de escondê-los; completavam a sua suntuosidade. Calçava sempre sandálias de salto alto. Um cordão retorcido amarelo cingia-lhe a cintura fina, o laço descaído de lado; fácil, fácil de desatar. Nem seria necessário; bastava levantar-lhe a saia - fosse ele o afortunado. Não era. A moça passava por ele, insinuante, deixando um rastro de perfume pela calçada da Felipe Schimit, o andar macio, como quem pisa em tapete mágico; a magia feminina. Via-lhe a alvura dos dentes, risonhos pro seu lado; podia retribuir, mas temia pelo resultado – não tinha dentes tão bonitos; ou melhor, não os tinha. Apenas acompanhava-a de olhos – era o que podia fazer; se muito! No fim da rua a moça desaparecia na portaria de um prédio de luxo: era secretária executiva. Ainda podia sentir o perfume dela, sendo levado suavemente pela brisa do mar. Ouvia o tock, tock de suas sandálias aos poucos sumindo no calçadão. Balbuciava-lhe palavras íntimas, do silêncio dos seus lábios. Tocava aqueles seios, beijava-os, em pensamento. Fazia-lhe juras de amor. Antes, apoiava-se no próprio cabo da vassoura, para a emoção não o levar ao chão. Mas logo acordava dos seus sonhos: era somente um varredor de rua. Amanhã, bem cedo, ela retornaria e sorriria novamente pra ele os lábios de batom, e passaria sestrosa, deixando atrás de si um rastro de cobiça, onde ele se embebedava; todos os dias da semana. E ele rezava que o fim de semana fosse breve; muito breve - dava-se ao descuido de sentir saudades dela; isto, ao menos, ele podia.
26 de fevereiro de 2008
23 de fevereiro de 2008
Saudades
Sinto saudades de alguma coisa, mas não sei do quê? Como se eu tivesse perdido ou deixado de fazer algo muito importante na minha vida; como, por exemplo: ter dito o que eu não disse; ter calado, na hora da ofensa; podia ter parado para cheirar uma flor e não ter passado sem olhar o jardim; devia ter caminhado o caminho inteiro, em vez de ir por atalhos; ter olhado o horizonte, em vez de baixar os olhos; ter descansado numa sombra fresca, e não correr pra chegar rápido; ter sido criança mais tempo, em vez de querer crescer logo, ser adulto, trabalhar, casar, ter filhos e depois, nem os curtir – pois a vida passa depressa! Choveu muitas vezes e eu nem agradeci a chuva; tampouco eu agradeci o sol; muito menos agradeci a natureza – achei que Deus tinha a obrigação de me dar tudo isso. Não prestei atenção aos frutos e nem provei os seus sabores; eu vi o colibri pousado num galho, e fiz pouco caso; havia alguém necessitando de ajuda, mas não ajudei, fui em frente; na hora de saborear a comida, vagarosamente, eu a engoli, com pressa. Pois é, eu devia ter fechado a torneira, na hora de me ensaboar, mas deixei a água escapar, sem me preocupar com a sede do outro; em vez de ir pra escola, eu gazeteei; em vez de ler um bom livro, eu me revoltei quando ganhei um, no meu aniversário. É! Eu sinto saudades de alguma coisa, mas não sei do quê? Eu deveria ter deitado na relva para admirar as estrelas, mas nem me importei em olhar pro céu; passei pelo riacho e nem sequer o ouvi. Eu podia ter conversado mais, conhecido mais pessoas, mas coloquei o meu walkman e permaneci em casa, trancado no meu quarto, na frente de um computador; eu podia ter escutado os meus pais, mas preferi os amigos inexperientes, como eu; eu podia ter trocado mais carícias, mas preferi a bofetada, a agressão moral. É, “a vida é muito curta pra ser pequena”. Agora, sinto saudades de alguma coisa, mas não sei do quê? Ou quem sabe seja de muitas coisas, que na minha pressa, deixei de realizar? Pode ser. Não sei se haverá tempo, mas algumas delas, ainda eu posso fazer.
jfmachado_8@hotmail.com
15 de fevereiro de 2008
Pedra Bonita
Tanto a pedra era bonita por sua circunstancial imponência insurgindo da terra no horizonte, iluminada a sua face leste pelo reflexo do luar nos filetes d´água que dela escorria, quanto era bonita pela beleza que os olhos dele julgavam ver lá longe, estampado na pedra - o rosto da mulher amada: Ana Carolina. Senão eram os efeitos da lua na pedra, era a lua derramando lá os seus encantos, fazendo desenhos mágicos no rochedo: o sorriso de Ana Carolina, aqueles lábios sensuais, exatos no formato e gosto de quando ele a beijava em seus sonhos. Imaginava que a jovem realmente subisse o alto da montanha, nos dias de lua cheia, para melhor vê-lo à distância, muito além da mansidão dos morros! O brilho da lua era os olhos dela procurando os seus. Assim, ele retribuía da forma como mais sabia: com o seu infinito olhar de moço apaixonado. Dali, da curva da estrada, o ponto de onde melhor podia contemplá-la, naquela hora, ele apeava do cavalo, atendendo aos chamados do próprio coração. Quem sabe a lua lhe mostrasse novamente, a face de sua amada, naquele noite? Balbuciava em pensamento, não uma palavra qualquer, mas o nome dela: Ana Carolina. Falava à lua, como se estivesse falando com o seu amor. Talvez a lua lhe desse notícias, dela? Onde ela estava? Como estava? E se pensava nele? O cavalo ao lado, na lassidão do cansaço, enquanto ele suspirava fundo o amor que de há muito lhe magoava o peito! O animal parecendo querer ajudar: criar asas e levá-lo à imensidão da pedra. Ou onde Ana Carolina estivesse, naquele momento; mesmo que fosse aos confins do mundo: queria dar fim àquele sofrimento. Toda lua cheia ele permanecia horas ali, contemplando a montanha, os olhos na pedra bonita.
O que havia lá nas lonjuras do horizonte, de tão importante, que ele se amargurava tanto – parecia querer saber o cavalo? Num certo momento, ele sorria; noutro, chorava. Como se Ana Carolina aparecesse e novamente sumisse feita cena passada numa tela de cinema. Iam-se os desenhos mágicos, ia-se o rosto de Ana Carolina: a imagem que a lua projetava pra ele, na pedra, modo acalentá-lo. Mas qual o quê, a lua só fazia aumentar o seu desespero; estava desesperançado, momento em que uma nuvem cobriu a lua por inteira; e nada mais ele pode ver – escureceu-se o horizonte tanto quanto escureceu nos seus olhos e no seu coração. Assim, o brilho do seu olhar foi-se indo aos poucos, quando percebeu que tudo não passava de ilusão: Ana Carolina não existia. Amava um fantasma. Tal como são claras e escuras as vicissitudes do amor. E nunca mais ele parou naquele trecho de caminho. Nem sequer olhou mais a lua cheia; tampouco olhou a pedra bonita, lá distante... No dia em que o seu cavalo também bateu asas e voou; o levando na garupa, pra longe dali.
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