6 de janeiro de 2008

Um cão chamado Leão


Cidade do interior. Cinco ou seis jovens ali jogando conversa fora em torno de um banco de jardim. O sereno já molhando as plantas, tanto quanto seus cabelos. Há muito acabara a sessão do cinema; a cidade estava serena e sonolenta. Não havia muito que se comentar do filme, do faroeste; a não ser que alguém lá torcia pro índio; mas isto, já era sabido na cidade: o sujeito era o primeiro a entrar na sala de projeção e sentar na fileira do meio. Bastava o mocinho aparecer que ele começava a gritar:- Cuidado índio! Lá vem o mocinho. Esconda atrás da moita... Agia assim, só pra contrariar!
Era um dia de sábado. O que lhes propunha muito tempo pra vadiar. Nada vezes nada, por ali. O friozinho da madrugada chegando. Um vira-lata passou de focinho alto farejando o cio de alguma cadela pela redondeza; vira-lata é isso, não tem hora. Os moços já tinham falado mal das tias e também das namoradas. Falavam agora, de assombração. Foi quando Licencio, sendo o morador mais distante, contemporizou, a tempo: - Que tal irmos à minha chácara roubar as laranjas do meu pai. Proposta indecorosa, sim, mas teria, em contrapartida, a companhia dos colegas. Corria paralela ao caminho uma estrada de ferro, tendo antes os transeuntes de passar pelas margens do cemitério, coisa nem um pouco animadora, para àquelas horas da noite. De pronto, todos aceitaram. – Mas e o Leão? Alguém perguntou. Leão era famoso. Já havia mordido muita gente daquelas bandas; ladrões de galinha, de laranja etc. – Deixe o Leão comigo! Ele me conhece. Licencio, argumentou. E combinaram a estratégia. Ele chegaria pela frente, engambelando o cão, enquanto uns iriam pela esquerda, outros pelos fundos, tendo a obrigação do Zé Orelha, o mais corajoso da turma, pegar laranjas do pé de estimação, debaixo do nariz do velho, pai de Licencio. Tarefa, um tanto arriscada, diga-se. Era lua cheia, mês de agosto, e o tal Leão devia estar alerta, farejando cio também.
Haviam eles de transpor uma cerca de arame farpado; o que lhes pareceu, em princípio, coisa banal; não fosse o azar de alguém tocar a cabeça numa caixa de marimbondo e começar a gritar. Leão empinou de tudo as orelhas, e saiu em disparada. De pronto, o velho pegou da espingarda de dois canos e foi pro terreiro, a geringonça já cuspindo fogo. Leão corria atrás. Licencio corria à frente – Sai Leão, sai Leão... Os outros se rasgando no arame às calças, às camisas, os cambaus; fugiram; cada qual pra onde o nariz apontava.
Voltaram a se encontrar tempo depois, no banco do jardim, sem nada; nem sequer uma laranja. Licencio ali, na palidez de fantasma fugido de cemitério. Passado o susto, riu-se de matar. Ânimos acalmados, cada um foi pra sua casa; dormir. Licencio também foi chegando e chamando de longe – Leão... Leão... O cão, meio que desconfiado, abanou o rabo e minguou-se. De resto, tudo aparentemente normal; a lua, de praxe, prateando os pomares, os arrozais. Licencio abriu a porta, entrou no quarto e dormiu. Acordou no dia seguinte, com o balaio de laranja a seus pés. – Chupe agora, filho! À vontade!... E que não reste nenhuma. E da próxima vez seu burro, cuide-se de não chamar o cão pelo nome...

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